O OBJETO INICIAL DE ESTUDO DA PSICOLOGIA


Passemos agora do nosso exame dos desenvolvimentos científicos pré-psicológicos a um estudo dos primórdios da Psicologia. Os problemas pré-psicológicos que discutimos foram todos adotados como problemas experimentais mas a estrutura sistemática imposta à psicologia por Wilhelm Wundt, na Universidade de Leipzig, na Alemanha, não foi exatamente o que poderia se esperar. Parece natural que a psicologia seja experimental, fisiológica e interessada em problemas de sensação e percepção. Como nasceu da filosofia, também seria de esperar que se interessasse em problemas epistemológicos. Na realidade, a fisiologia desempenhou um papel direto muito pequeno. Embora Wundt chamasse à sua psicologia uma psicologia fisiológica experimental, não havia quase experimentação fisiológica de espécie alguma; R. L Watson (1963, pág. 249; 1971, págs. 275-276) assinala que os ritmos de pulso e respiração eram monitorados nos estudos de sentimento. A minimização da fisiologia é duplamente surpreendente porque Wundt era ele próprio um fisiologista. Contudo, a psicologia necessitava, primordialmente, do nome de fisiologia. Esta possuía o prestígio que a jovem ciência da psicologia precisava granjear. Assim, a fisiologia era freqüentemente invocada para ilustrar a respeitabilidade científica da psicologia, em geral, e das teorias específicas, em particular. A Física e a Matemática tiveram funções semelhantes e houve controvérsias veementes sobre se a alegada dependência da Psicologia em relação às disciplinas mais antigas é bom ou mau. No caso da fisiologia, pelo menos, grandes progressos foram feitos. Hoje, os psicólogos são muito mais propensos a praticar a fisiologia e muito menos inclinados a invocá-la, simplesmente. É interessante que, apesar de sua formação, Wundt recusou-se a vincular a sua recém-nascida ciência à fisiologia há cem anos. Wundt pôde justificar-se por não fazer experimentação fisiológica, em virtude da sua posição filosófica no problema mente-corpo. Ele acreditava que a mente e o corpo seguiam rumos paralelos mas que era impossível afirmar que os eventos corporais causavam os eventos mentais; simplesmente, os acontecimentos externos davam origem a certos processos corporais e, ao mesmo tempo, a processos mentais paralelos (ver o Quadro 2-3 ). Ele pensou que a tarefa primordial da psicologia era descobrir os elementos dos processos conscientes, a maneira como interligavam e as leis que determinavam essa conexão. Dado que a mente e o corpo seguiam rumos paralelos, a maneira mais simples de realizar essa tarefa, segundo Wundt, era proceder a um estudo direto dos eventos mentais, através do método de introspecção. Mais tarde, a psicologia poderia encarar a questão de quais.ieram os processos corporais que acompanhavam determinados processos mentais mas esse problema era secundário. Skinner, entre outros, insistiu em que o estudo direto do comportamento tem mais probabilidades de ser proveitoso do que a tentativa de relacioná-Io com os processos fisiológicos. Assim, Wundt incorporou à psicologia uma espécie de problema de dualismo. Também incorporou uma forte convicção na necessidade de empregar o método experimental. As suas pesquisas baseavam-se na introspecção de laboratório, não na introspecção de gabinete. Ele pretendia excluir da psicologia a especulação metafísica. Procurava constantemente modos experimentais para abordar os processos mentais. O experimentalismo de Wundt implicava que ele tinha aceitado as idéias necessárias que se desenvolveram no seio da ciência e que tinham de ser aceitas antes de uma ciência da psicologia poder se converter numa realidade: a necessidade de explicação interna, a confiança na observação e a colocação do homem no domínio do cientificamente cognoscível. A sua busca de elementos da consciência também mostrou a sua tentativa de simplificação, ou o seu reducionismo, se preferirem. O laboratório de Leipzig, oficialmente fundado em 1879, também se encarregou de muitos problemas específicos que estavam aguardando uma psicologia. O problema do tempo de reação já foi mencionado. Os problemas da sensação e percepção foram herdados de Helmholtz, Fechner e outros. Pouco havia em Leipzig que levasse a pensar nos precursores da psicologia no outro lado do Canal. Somente graças a um impetuoso e atrevido estudante americano, James McKeen CatteIl, o laboratório de Leipzig se ocupou alguma coisa do problema das diferenças individuais a que se dedicara Galton. Com exatidão profética, Wundt classificou o interesse de Cattell como ganz amerikaniscb (tipicamente americano). De fato, seriam as forças armadas, escolas e. indústrias dos Estados Unidos que acabariam dando a maior ênfase aos testes de indivíduos para sua colocação mais eficiente. Seria interessante descrever mais detalhadamente os começos da psicologia do que permite este breve relance mas o nosso propósito atual é, simplesmente, situar o campo da psicologia numa certa perspectiva, em relação com a sua história e com o seu papel na ciência moderna. Portanto, passaremos agora a examinar o objeto de estudo da psicologia, tal como se apresenta de um ponto de vista moderno. Isto nos dará uma base para comparar o que sabemos ser o objeto de estudo do nosso campo com os pontos de vista mais limitados sobre o mesmo a que usualmente aderem os membros das várias escolas mais antigas de psicologia. Também veremos mais adiante como o aparecimento de cada nova escola tende a ampliar as concepções anteriores sobre o objeto de estudo da psicologia.